sábado, 1 de fevereiro de 2014

Bolhas...

Bolhas de sabão

Naquele dia tudo seria diferente. Como de costume Zé Cintra acordava na madrugada fria da grande cidade para mais um dia árduo na gelada construção civil. A mão calejada e avermelha de terra, marcas do trabalhador braçal, virava o pequeno canecão envelhecido de café na pequena garrafa já corroída pelo tempo. Sobre a pequena mesa, a lata amassada da marmita que lhe confiava o banquete do dia, um pedaço de pão já sem sabor, um pote de manteiga e o desanimo de mais um jornada no trabalho frio. Cabisbaixo e sem ânimo para levantar da cadeira olhava fixamente para um ponto qualquer da mesa desconfiado de sua real existência. Para Zé Cintra tudo lhe parecia inalterado; as velhas lembranças dos tempos de sua infância sempre sofrida, sua família e seus filhos que deixara no sertão nordestino. Debruçou-se sobre a mesa e, após a breve reflexão melancólica, vestiu a calça rasgada, a velha botina carcomida, arrumou todas as tralhas e seguiu até a porta. Antes de abri-la escutou um tímido barulho de alguém batendo. Indagou-se sobre quem poderia estar visitando-o às cinco e meia da manhã. Ficou ressabiado e ao mesmo tempo curioso, porém resolveu abri-la timidamente e para sua surpresa percebeu que se tratava de duas mulheres e três crianças. Ao olhar para as duas mulheres notou certa familiaridade, porém no breve intervalo do raciocínio consciente Zé não identificou que se tratava de sua esposa, sua mãe e seus três filhos. Abismado com tal fato não se deu por conta do que estava acontecendo até seu pequeno guri lhe chamar de pai. Mais que depressa as crianças agarraram-lhe as pernas e sua mulher lhe presenteou com um beijo seco e um abraço envergonhado. A mãe de Zé Cintra emocionada soluçava silenciosamente encostada a porta. O trabalhador com um largo sorriso e olhos marejados mais que depressa pediu para seus familiares adentrarem em sua humilde casa toda desarrumada. Não acreditando em tudo que estava acontecendo ao seu redor foi logo perguntando sobre loucura havia acontecido. Sentados ao redor da mesa, Tereza sua esposa e Dona Dalva imediatamente começaram a explicar os motivos que as levaram até a cidade grande. Informaram que seu pai havia ficado no interior de Pernanbuco trabalhando na pequena lavoura de milho junto com seu tio Amaro. Explicou ainda que a situação no norte não estava fácil e que a falta de dinheiro corroia a saúde de seu pai. Nesse momento Zé Cintra se emocionou ao lembrar-se da vida difícil na lavoura e sua incapacidade de alterar esse triste quadro. Tereza contou para Zé Cintra que a viagem da família tinha um caráter muito importante, pois ficara sabendo que um de seus parentes da cidade grande havia lhe deixado uma pequena herança que poderia mudar um pouco o rumo de suas vidas. Por um momento Zé Cintra se sentiu aliviado do peso do trabalho que havia lhe tirado a vida de um de seus melhores amigos. Pensou em voltar para norte e viver com sua esposa e seus filhos com dignidade. Pensou ainda em comprar uma roupa nova para as crianças, um vestido para Tereza, e presentear a garotada com lindo passeio no zoológico. Claro que Zé não se esqueceu de seus pais, pois iria ajudá-los em promover o conforto na velhice. Quanta emoção! Em meio à alegria e emoção, por um instante Zé Cintra olhou para as crianças que estavam debaixo da mesa brincando com bolhas de sabão. Achou estranha tal situação, pois como as crianças poderiam brincar com bolhas de sabão, porém entretido no novo assunto, abriu um breve sorriso e continuou ouvindo sua esposa. Tereza com o endereço em suas mãos machucadas pela enxada pediu para Zé Cintra permanecer em sua casa até ela arrumar toda a situação. Mais que depressa Zé Cintra pediu que acompanhasse até tal endereço, pois como poderia deixá-las resolver tudo isso sozinha. Zé Cintra era experiente na cidade grande. Não havia endereço que o pobre nordestino não o encontrava. Porém as mulheres não aceitaram tal ajuda. Zé achou tudo muito estranho. Em meio a tal confusão, por um instante olhou para o rosto de sua mãe e percebeu que a mesma parecia-lhe mais nova. Olhou para debaixo da mesa e as crianças haviam sumido. Desesperado se Cintra chama por Tereza que já estava se dirigindo a porta e se despedindo. Sua mãe já não estava mais em sua casa. As crianças ao lado de Tereza acenando com um triste adeus. Zé Cintra abriu os olhos e percebeu que as tralhas estavam no mesmo lugar. Não havia mãe, não havia Tereza, não havia crianças... O que havia era apenas um relógio marcando a hora já perdida. A bolha de sabão havia estourado. Zé Cintra levantou-se, olhou para o barraco vestiu as roupas maltrapilhas abriu tristemente a porta com esperança, mas seguiu como sempre fez. Seguiu para construção gelada de julho. E assim o fez. 

Artur